domingo, 27 de dezembro de 2015

Quilombolas recebem títulos de regularização de território

Representantes do Incra no Ceará fizeram o ato de transmissão de posse ( Fotos: André Costa )
Moradores acompanharam a solenidade, ocasião em que foi explicitado que a titulação amplia o acesso a diversas políticas públicas, como créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar(Pronaf)
Araripe. A comunidade quilombola do Sítio Arruda, neste Município da Região do Cariri, foi a primeira do Estado a ter seu território completamente regularizado. A superintendência regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Ceará (Incra-CE) recebeu, neste mês, a posse de dois imóveis rurais, com área total de 334 hectares, que asseguram a regularização fundiária do território quilombola. O ato de transmissão de domínio de propriedade das áreas foi realizado na própria comunidade.
O processo de desapropriação em benefício de 34 famílias quilombolas durou sete anos e foi considerado, pelo superintendente do Incra-CE, Roberto Gomes, um marco na história. "Esse momento tem uma força simbólica muito grande. É o pagamento de uma dívida que o Estado brasileiro tinha com essas comunidades tradicionais", disse. Ainda conforme o superintendente, a regularização abre precedente para que outras comunidades busquem o mesmo processo fundiário.
Atualmente, o Incra-CE possui 12 processos de regularização em curso, de um universo de 34 comunidades no Ceará. O mais avançado é no município de Tamboril, na comunidade de Brutus, com sete das 14 terras já regularizadas. Além deste, o da Serra das Chagas, em Salitre; e Três Irmãos, em Croatá, foram decretados pela presidente Dilma Roussef como passíveis de desapropriação, no último dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Apesar de reconhecer a importância histórica do momento, Gomes ressaltou que é um momento oportuno para debater a simplificação do processo de regularização de outros territórios. "Obviamente que devemos respeitar os prazos, dá espaço ao contraditório, enfim, mas podemos discutir a simplificação, para que outros processos não durem tanto tempo", ponderou.
Ampliação
À luta pela terra, cresce entre as comunidades, se soma o anseio para que também haja investimentos no sentido de que a terra possa também produzir. Além de contribuir para o resgate da identidade étnica das famílias remanescentes de quilombos e garantir a posse da terra, a titulação dos territórios amplia o acesso a diversas políticas públicas, como créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), comercialização da produção por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e assistência técnica, entre outras.
O nativo Lourenço Caetano de Souza, 47, comemora a conquista das terras e almeja que a medida possa desenvolver a comunidade: "Quase não tínhamos terra para plantar. Muitas famílias faziam o plantio no fundo do quintal, sem nenhum espaço. Agora, teremos terra, poderemos diversificar a plantação e a gente tem certeza que tudo vai ser diferente daqui para frente".
O fato histórico também foi destacado pelo agricultor José Lourenço, escolhido orador do Sítio Arruda. "A comunidade se orgulha por ter recebido esse título, de ser a primeira comunidade beneficiada com a posse de suas terras no Ceará", acrescentou. Os benefícios, aliás, já podem ser mensurados. Uma escola padrão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) está sendo construída na comunidade, com quatro salas de aula.
O antropólogo José da Guia Marques foi o responsável pelo estudo que reconheceu as famílias como remanescentes de quilombos. Segundo ele, a comunidade é formada a partir de três famílias negras, originadas de escravos vindos de Cabrobó, em Pernambuco; e da Chapada do Araripe e região dos Inhamuns, já no território cearense.
Migração
Após a Abolição da Escravatura, as famílias fixaram moradia em uma localidade no município de Araripe, onde trabalhavam em uma propriedade rural vizinha sob condição de semiescravidão. Com a venda da propriedade e das terras onde vivia, a comunidade migrou para o Sítio Arruda, pequena área adquirida na década de 1980. "Com os dois imóveis desapropriados, onde as famílias costumavam trabalhar, os moradores agora têm uma área maior para se reproduzir, morar e produzir", detalhou José Marques.
As famílias vão receber um Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), que autoriza a fazer uso das suas terras. Por conseguinte, deverão receber o título de propriedade coletivo do território. Neste processo de transição, o órgão pretende orientar as famílias no estágio inicial de instalação no território, além de discutir com parceiros projetos para desenvolvimento social e econômico.
Ancestrais
Os quilombolas são grupo étnicos, com predominância na população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias.
O Decreto N°4.887/2003, regulamenta o procedimento para regularização dos territórios quilombolas, a partir do que está definido na Constituição Federal de 1988. A lei delegou ao Incra a competência para delimitar as terras dos remanescentes de quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e titulações. A Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, tem a responsabilidade de emitir o certificado de auto-reconhecimento das comunidades.
Enquete
O que representa essa ação para a comunidade?
"Quase não tínhamos terra para plantar. Muitas famílias faziam o plantio no fundo do quintal. Agora, teremos terra, poderemos diversificar a plantação e a gente tem certeza que tudo vai ser diferente daqui para frente".  Lourenço Caetano de Souza - agricultor
"A comunidade se orgulha por ter recebido esse título, de ser a primeira comunidade beneficiada com a posse de suas terras no Ceará. Isso representará desenvolvimento para todos nós". José Lourenço- agricultor

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