sábado, 20 de maio de 2017

Orquestra Filarmônica Juvenil de Tianguá pode ser extinta

A orquestra depende do apoio municipal, que ainda não foi confirmado ( Fotos: Marcelino Júnior )
00:00 · 20.05.2017 por Marcelino Júnior - Colaborador
Antônio Roberto dos Santos, 15, se encantou pelo saxofone alto, um instrumento bastante utilizado na música erudita e popularizado entre os amantes do Jazz
Tianguá Aos oito anos de idade, após assistir a uma apresentação da Orquestra Filarmônica Juvenil Doutor Edvaldo Moita, desta cidade localizada na Serra da Ibiapaba, no Norte do Estado do Ceará, a estudante Maria Samires da Silva tomou uma importante decisão: fazer parte daquele grupo de crianças e adolescentes que tocavam harmoniosamente aqueles instrumentos que Samires nunca tinha visto tão de perto.
O som que mais chamou atenção da menina foi o do clarinete. Instrumento de sopro, definido como de grande prestígio ao executar diversos tipos de estilos, devido à sua capacidade de expressão sonora. Com apoio dos pais, Samires, que hoje tem 12 anos, deixou a timidez de lado e se entregou de corpo e alma à música, à qual se sente cada vez mais ligada.
Inspiração
Em quatro anos de dedicação à orquestra, a adolescente serviu de inspiração para a irmã menor, Camile, que aos 10 anos, já a acompanha na orquestra tocando flauta transversal.
"Quando eu toco clarinete, ao lado da minha irmã, parece que tudo ao meu redor se transforma. Eu tento sentir a harmonia dentro de mim, e só isso importa naquele momento. A orquestra representa muito, não só para mim e minha irmã, mas também para minha família", se emociona, a menina, ao lado da mãe, a dona de casa Noelda Rodrigues da Silva, que também enche os olhos de lágrimas quando, vez ou outra, acompanha um dia de ensaio, ou tem a oportunidade de assistir alguma das muitas apresentações das filhas.
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A dona de casa Noelda Rodrigues da Silva se emociona quando acompanha um dia de ensaio ou tem a oportunidade de assistir alguma das muitas apresentações das filhas Samires, 12, no clarinete, e Camile, 10, na flauta transversal 
"Desde muito pequena, a Samires já queria muito participar da orquestra, assim como a irmã, que hoje também faz parte desse trabalho. Acredito que elas duas vão longe, no sonho de ter a oportunidade que eu e o pai delas não tivemos. Se não fosse esse trabalho, elas nunca teriam condições de aprender a tocar um instrumento na vida", avalia a orgulhosa mãe.
Projeto social
A Orquestra Filarmônica Juvenil Doutor Edvaldo Moita, ligada à Sociedade Musical Tianguaense (Somut), foi fundada em 1985, com o intuito de formar cidadãos, por meio da musicalidade. Ao dar vida ao projeto social, o maestro Ângelo Moita viu, aos poucos, o número de alunos crescer. E, com um olhar apurado, ele foi descobrindo e lapidando novos talentos, que antes não tinham oportunidade nenhuma de acesso, por morarem em bairros da periferia da cidade, carregados pelo estigma da violência e da falta de infraestrutura.
Ao observar o perfil dos meninos e meninas, acompanhados dos pais, que o procuravam em busca de uma oportunidade, o maestro, então, decidiu trabalhar com aqueles vindos de áreas consideradas de risco.
Sonho antigo
O projeto tomou forma e recebeu o nome de "Música Transformando Vidas", seguindo um sonho antigo de Ângelo, que desde cedo teve contato com a música, ao participar da banda do tradicional Colégio Piamarta, em Fortaleza, onde viveu parte da adolescência em turnês, quando conheceu vários países da Europa. É dessa época, segundo o maestro, que surgiu o desejo de um dia, dar a mesma oportunidade que teve a outros jovens.
Hoje, ao lado da esposa, Iolanda Moita, que preside a Somut, o maestro transmite seus ensinamentos, por meio da instituição, que tem capacidade de atender a cerca de cem crianças, com idades entre 9 e 14 anos. Os ensaios são realizados num espaço criado no quintal da casa onde mora o casal. Das crianças atendidas, cerca de 55 compõem a orquestra.
Convênio
Ao longo dos anos, muitas apresentações foram realizadas por todo o Nordeste e outras regiões País afora, em festivais musicais, por meio de convites e incentivos de admiradores do projeto. Por conta disso, o trabalho chamou a atenção da antiga gestão municipal que, em 2001, celebrou um convênio, com contrato de prestação de serviços da Somut ao município de Tianguá. Com o apoio, foi possível adquirir os atuais instrumentos, pois, antes, tudo era cedido por particulares, que também ajudavam na manutenção.
Por 12 anos, a parceria se consolidou, vindo a ser rompida, momentaneamente, no ano de 2013, por conta da nova gestão pública à época. Mas a decisão foi logo revogada pelo próprio gestor, em resposta ao inegável apelo social do trabalho, sendo o convênio renovado até o ano passado, período em que as apresentações da Filarmônica fizeram parte do calendário cultural da cidade.
Custos
Neste ano, a antiga gestão de 2001, que deu o apoio inicial ao projeto, de acordo com o maestro Ângelo Moita, retornou à administração do Município e não se mostrou interessada em atualizar o convênio, no valor total de R$ 132 mil (anual).
De acordo com as informações do maestro Ângelo Moita, os valores mensais utilizados pela banda servem para, entre outras despesas, a aquisição de roupas, calçados, manutenção dos instrumentos, viagens, hospedagens, alimentação, pagamento de combustível, "além de cursos, que os alunos fazem aqui na região com professores de outras cidades, voltados ao aperfeiçoamento".
Ele acrescenta: "as despesas são necessárias à sobrevivência do trabalho. Queremos uma resposta da gestão, por meio da Secretaria de Cultura do Município que, até este mês de maio, ainda não nos deu nenhuma posição sobre a renovação da parceria", lamentou.
Procurado pela reportagem do Diário do Nordeste, o secretário de Cultura de Tianguá, Raimundo Portela, reconheceu e elogiou o trabalho da Sociedade Musical Tianguaense, mas não quis gravar entrevista.
E, enquanto a resposta não chega, os alunos da Orquestra Filarmônica Doutor Edvaldo Moita, com apresentação marcada para este final de semana, na cidade de Parnaíba (PI), com a apoio da Prefeitura de lá, seguem praticando, incansavelmente, em busca de harmonia musical que os une, e que, certamente, encantará mais um público que os aguarda.
Enquete
Qual é a importância da orquestra?
"A música, assim como esse trabalho feito pela orquestra, com essas crianças e jovens, representa muito para quem mora num lugar humilde. Vejo nesse tempo de dedicação uma oportunidade de mudar de vida. Quando toco e me concentro na música, eu me esqueço de todo o resto"
Maria Laila Sousa
Estudante
E4
"Fazer parte da orquestra foi muito importante para mim. Eu era indisciplinado na escola e tinha algumas dificuldades de concentração. A ideia foi da minha mãe, mas logo me apaixonei. Comecei aos 11 anos e hoje, aos 21, a música faz parte integral do que sou"
Ícaro Fontenele Carvalho
Músico
E3

Um comentário:

  1. Nossos gestores empregam recursos astronômicos em obras e projetos muitos deles inúteis, inacabados, dispensáveis, improdutivos, superfaturados... mas que têm visibilidade imediata - noutras palavras: coisas que dão voto. Não estão interessados no benefício imensurável que projetos como a Orquestra Filarmônica Juvenil Doutor Edvaldo Moita tem proporcionado a várias gerações de crianças e adolescentes, muitos dos quais não tinham outra perspectiva a não ser adentrar no submundo e engrossar as fileiras da delinquência, até o dia em que tiveram o encontro maravilhoso com a Música. Quanto vale a pena investir numa Orquestra que tem sido elemento transformador e redentor na vida de tantas pessoas? Espero que o povo de Tianguá e de toda a Ibiapaba se mobilize a fim de sensibilizar as autoridades a não abrirem mão de tão valioso patrimônio cultural e social.

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