quinta-feira, 8 de junho de 2017

Arte de contar histórias

00:00 · 08.06.2017 por Iracema Sales - Repórter
A arte-educadora Tâmara Bezerra, uma das participantes do festival: Ceará é um "celeiro de narração oral, da serra ao sertão, passando pelo litoral"
A contadora de histórias Terezinha Rabelo, 80 anos, lamenta a falta de interesse das novas gerações pelas narrativas que tanto encantaram sua infância e juventude. Elas foram ficando na memória, "algumas ainda lembro até hoje", afirma com orgulho e satisfação, admitindo que adorava escutar tramas passados na antiguidade.
Natural de Senador Pompeu, Terezinha trabalhava na roça, numa época em que "não tinha máquina ainda para debulhar feijão. Era tudo na mão". Em meio às recordações, não esconde a saudade que ainda guarda das histórias de reinos encantados, tendo príncipes e princesas como protagonistas.
Enquanto as mãos ágeis executavam as árduas tarefas - lavar roupa, raspar mandioca, apanhar algodão ou colher legumes - as histórias do mundo do faz de conta serviam para amenizar a dura realidade das trabalhadoras. "As pessoas não ligam mais", reitera Terezinha, ela mesma contadora de histórias desde a juventude.
Por isso, é uma das atrações da 16ª edição do "Lamparina de histórias - festival de contos populares", que acontece nesta quinta (8) e sexta (9), na Praça do Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante. Nos dias 22 e 23, o evento, que tem o objetivo de reunir narradores tradicionais e contemporâneos, aterrissa em Fortaleza, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). A programação é composta por apresentações de contadores de história, quadrilhas, música, feira de artesanato e folhetos de cordel.
"Tenho boa memória", admite Terezinha, afirmando ainda lembrar das histórias sobre a vida de reis e rainhas em reinos distantes e encantados. "Hoje, não saio mais de casa", diz, justificando ser difícil colher novos elementos para elaborar narrativas inéditas, preferindo trazer para os dias de hoje os contos tradicionais que aprendeu quando jovem.
Talento
Aos poucos revisitadas pelas novas gerações, essas narrativas hoje constituem objeto de pesquisas acadêmicas.
Nascida no município de Orós, a arte-educadora Tâmara Bezerra define o Ceará como "um celeiro de narração oral, da serra ao sertão, passando pelo litoral". Hoje (8), ela abre a programação noturna do festival, às 18h, na Praça do Pecém. Na sequência, acontece apresentação da quadrilha Filhos do Sol.
De ouvinte de histórias contadas por pescadores e lavadeiras de roupa, ao longo do açude Orós, Tâmara virou pesquisadora. Os primeiros passos na arte de contar histórias foram dados ouvindo o pai, que lia histórias em voz alta.
Só depois descobriu que há formação específica para a arte de contar histórias, embora reconheça a maestria dos contadores populares tradicionais - muitos sequer alfabetizados.
Outra característica da atividade é o poder de agrupar pessoas. Histórias eram contadas em grupos, durante o trabalho. Daí foram originadas também danças e músicas.
Tâmara Bezerra leva a sério tanto a prática quanto o estudo dessas manifestações, que resolveu estudar na Academia, depois de realizar trabalho no grupo "Mulheres com as cabeças cheias de histórias", que reúne as linguagens cênica e literária.
No momento, cursa mestrado na Universidade de Lisboa, investigando o tema "Cantos de tradição oral recolhidos de comunidade quilombola".
No espetáculo, ela lê histórias de diferentes autores e também interpreta suas próprias criações. "Meu trabalho possui elementos cênicos", diz, enaltecendo a performance dos narradores tradicionais. A modernidade e a vida urbana contribuem para a desvalorização desses personagens, geralmente pessoas idosas, que ganhavam destaque nas comunidades, sobretudo no Interior, por saberem contar histórias.
O trabalho dos novos contadores, portanto, é atualizar a atividade, valorizando os mestres e democratizando a prática, que tem relação de gênero feminino. Dramas e contações de anedotas estão no bojo também dessas narrativas.
A professora Fátima Mendes, que realiza apresentação hoje (8), às 9h, para os alunos da Escola Municipal Euclides Pereira Gomes, no Pecém, identifica a contação de histórias como ferramenta pedagógica, em especial para crianças. "Vou trabalhar com narrativas intercaladas com poesias", promete, destacando os contos populares do escritor Câmara Cascudo.
Também não irão faltar histórias de pescadores, que fazem parte da memória coletiva do município, localizado no litoral. "Também coloco os alunos na roda", revela a professora, com 23 anos de magistério.
Mais informações:
Lamparina de Histórias - festival de contos populares. Hoje (8) e amanhã (9), sempre a partir das 18h, na Praça do Pecém, São Gonçalo do Amarante-CE. Gratuito. Contato: lamparinadehistorias@gmail.Com

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