terça-feira, 31 de maio de 2016

Veredas ocultas da arte

No alto, Vera Cadeira em sua casa-museu, onde o lixo se transforma em arte e a artista inventa uma ética própria, a parte do mercado e em inqueitação permanente ( Fotos: Fabiane de Paula )
É difícil classificar a mulher de 60 anos, que abre as portas de sua casa para receber os visitantes estranhos como se fossem velhos conhecidos. Fala de arte, mais do que de sua arte. Oficialmente, já foi decoradora, hoje investe no turismo. Vera faz uma coisa, cansa, muda, se reinventa. "Não sei bem ficar fazendo uma coisa só". A única constante é o espírito artístico, que ela lembra ter desde sempre. "Já fiz pintura, em vidro, em tela; colagem; esses quadros: tudo", enumera.
Seu trabalho é singular, escapa às categorizações de linguagens e tipos de obra. São intervenções - como os jardins que ela fez brotar em rampas de lixo, embelezados pela reutilização do próprio lixo -, mas também é seu modo de viver. A vida é um motor contínuo de criação, e o lugar onde vive mais parece uma instalação.
Próxima ao Largo da RFFSA, no Crato, ela mora numa espécie casa-museu com peças espalhadas por todos os lugares. Vera trabalha com colagens, tanto de papel (tirado, quase sempre, de revistas de celebridades) como de objetos. Todo o material vem daquilo que seria descartado. O acervo muda com o tempo, sem que ela comercialize nada. "Eu tinha pena. O artista é meio 'doidim'. O artista faz aquilo com tanto amor e quem compra não sabe disso. Prefiro dar a quem sabe que é coisa minha. Nunca consegui vender".
Um projeto de que Vera Cadeira "se cansou" foi o dos jardins fincados em meio ao lixo, que chamaram a atenção no Crato. No começo da década, ela sentiu o incômodo com um área da cidade em que os moradores vizinhos jogavam o lixo de suas casas. Do próprio bolso, pagou a limpeza do terreno e começou a construir um jardim. Plantas, jarros e peças difíceis de definir, feitas com material aproveitado do que ela jogado fora. "O lixo virou luxo", sintetiza o projeto, em uma placa fixada na garagem de sua casa. "O meu trabalho era esse: tirar o lixo e botar a arte. Um dia, estava sem fazer nada e resolvi limpar aqui na frente de casa, que estava tudo sujo. Inventei, fiz umas casinhas, coloquei vasos. Achei que ia mexer, mas o pessoal respeitava. Tudo começou dentro de casa, fazendo coisas do que as pessoas colocaram fora. Depois fui pra rua", relembra.
Diálogo
A ligação do Cariri com as artes da tradição não é rejeitada por quem trabalha no terreno do "contemporâneo". "O que é isso?", questiona Edelson Diniz. Em atuação desde os anos 1980, ele foi colecionando linguagens e possibilidades. "Comecei desenhando, pintando, depois parti para outras possibilidades, para a tridimensionalidade. Mas nunca abandonei nada do que faço. Continuo desenhando e pintando", conta o artista. Inquieto, Edelson mantém em paralelo inúmeras pesquisas. "A obra nunca está pronta. É sempre um exercício para a seguinte. E sigo fazendo um exercício, depois outro, volto, vou de novo", ensina.
Natural de Juazeiro do Norte, mas radicado no Crato, ele se iniciou na arte nos anos 1980, com a pintura e o desenho, longe dos motivos da tradição. Dalí tomou impulso para explorar outras linguagens, chegando à tridimensionalidade. E, longe de renegar o tradicional, ele busca neste terreno inspiração para suas próprias criações, com o reisado e o acúmulo desordenado de imagens dos cultos populares da região. "O que faço não nega a tradição. É uma relação respeitosa", garante.
"Não acho as artes da tradição ofusca a gente. O problema, nesse caso, é mais o das políticas públicas, que privilegiam mais um lado do que o outro", assegura.
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Entre os artistas contemporâneos do Cariri, é comum se ouvir o nome de Vera Cadeira. "Pensam que o sobrenome é artístico, mas é nome mesmo. Da família do meu marido. Eu gosto de coisa diferente", se apresenta.
Para ver
Poema das Águas - Exposição de Nívea Uchoa, uma das principais fotografas em atividade em Juazeiro. A mostra reúne 38 fotos, fruto de um projeto de pesquisa chamado "Água pra que te quero!", sobre a relação do homem com a água. A proposta é trabalhar com uma estética, ao mesmo tempo, artística e documental. Em cartaz a partir de sábado (21), às 10 horas, no Sobrado Dr. José Lourenço (Rua Major Facundo, 154, Centro , Fortaleza). Até dia 26 de junho, de terça à sexta, de 9h às 18h, e no sábado, de 9h às 17h. Gratuito
O Sertão Alegre de Babinski: Figuração e Oralidade no Ceará - Mostra de pinturas e gravuras produzidas pelo polonês Maciej Antoni Babinski, radicado em Várzea Alegre. A exposição reúne obras criadas na última década e trazem recriações de paisagens da região. Em cartaz no Museu da Cultura Cearense, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema, Fortaleza). Até 31 de julho, de terça a sexta, das 9h às 19h, e aos sábados, domingos e feriados das 14h às 21h. Gratuito

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