terça-feira, 30 de agosto de 2016

Falta de estrutura de órgãos torna fiscalização frágil

Igor Pereira Pinheiro já atuou em investigações de esquemas ilícitos envolvendo gestores e empresários de pelo menos nove cidades no Ceará ( Foto: Thiago Gadelha )
Em ano de eleição, a cena se repete: pessoas envolvidas em atos de corrupção, inclusive já denunciadas à Justiça, voltam a lançar candidaturas, mesmo que com currículo manchado por ilícitos contra o patrimônio público. Fatores que perpetuam o ciclo de impunidade no meio político são vários, dentre eles, a falta de estrutura - física e de pessoal - das instituições de fiscalização e de controle, que ainda não são capazes de acompanhar cada processo, fazendo as pressões necessárias, até a punição efetiva dos responsáveis.
Promotores e juízes vivem isso na prática, diz o promotor de Justiça cearense Igor Pereira Pinheiro. "Desconheço algum colega promotor, algum colega juiz, que acha que a estrutura é suficiente", afirma. Desde que ingressou no Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), em 2010, ele já atuou em investigações de esquemas corruptos em, pelo menos, nove municípios cearenses - Santana do Acaraú, Trairi, Quixeramobim, Paraipaba, Senador Pompeu, Quixadá, Mombaça, Brejo Santo e Tauá.
As operações, quase sempre voltadas à apuração de fraudes em licitações, geraram dezenas de afastamentos e até prisões de gestores, mas é comum que sejam revertidas e o trâmite dos processos pare por aí. "Para pela falta de estrutura, de não conseguir acompanhar e pressionar até o fim", justifica.
O acompanhamento de cada processo só é possível, segundo Igor, durante o tempo em que fica na respectiva comarca. "Depois vem um colega, e aí cada promotor tem a sua área de preferência, e poucos conseguem desenvolver essa questão da corrupção por conta da falta de estrutura", afirma.
Para ele, uma solução seria a criação de um grupo volante de combate à corrupção no MPCE, que, na prática, iria até cidades onde o promotor pedisse auxílio em investigações. "Se o promotor sair de lá, o grupo fica responsável de dar continuidade à demanda. Só assim é que nós vamos efetivamente conseguir dar cabo a isso, porque, se você verificar, acontecem as grandes operações no Estado e depois a coisa continua a mesma", observa.
Eleição
Tal deficiência estrutural, sustenta Igor Pereira Pinheiro, torna ainda mais crítica a fiscalização de atos de corrupção eleitoral. Ele explica que, por todo o País, há uma aglutinação de funções que prejudica a efetividade do papel da instituição. "O promotor eleitoral é o mesmo da Justiça comum, então tem que dar conta da corrupção comum e da eleitoral, que demanda mais estrutura ainda", relata.
A estrutura de fiscalização eleitoral, classifica o membro do MPCE, é "pífia" e está "muito aquém do que deveria ser". "Eu sou defensor de que a Justiça Eleitoral deveria ter um corpo próprio. Deveria ter só juiz eleitoral, promotor eleitoral, aí sim nós teríamos uma fiscalização efetiva. Do jeito que está, é um faz-de- conta. Essa é a verdade".
É por isso que, opina ele, a classe política ainda "aposta" na corrupção. "Quem vive no meio sabe: não há estrutura, então de dez vai ser pegue um. É um cálculo que vale a pena. Arrisca por quê? Porque se tu for pegue, não vai acontecer nada ou vai acontecer uma coisa de menor gravidade contigo. Então o sistema estimula a corrupção a partir do momento em que não manda o recado: 'se for pegue, vai ser punido severamente, e a chance de ser pego e punido severamente é enorme, porque as instituições funcionam, têm estrutura'".
Para combater este ciclo de ilicitudes que, para o promotor, também é cultural, ele defende mudanças abrangentes no sistema político-eleitoral brasileiro. Isso porque, opina ele, as alterações na legislação eleitoral previstas na minirreforma de 2015 são "pontuais", "para inglês ver" e "não vão mudar a lógica do sistema". Caminhos, diz Igor, seriam o fim do político profissional, modificações nas estruturas dos tribunais de contas e uma reforma estrutural na legislação.
Mas, para um efetivo combate à corrupção, segundo Igor Pereira Pinheiro, é fundamental haver, também, mudança de postura do eleitor, que, conforme diz o promotor, precisa deixar de ser "conivente" com a corrupção.
"Você (promotor) tem que dar um recado para a população e dizer: olha, eu estou aqui, vou trabalhar, fiscalizar, me ajudem", argumenta. "A gente passa esse recado, mas o eleitor tem que ter a consciência: 'rapaz, vi alguma coisa errada, vou fazer a minha parte de cidadão, denunciar. A primeira coisa é uma cidadania ativa, de efetivamente colaborar, auxiliar as instituições responsáveis", completa.
FIQUE POR DENTRO
Curso online incentiva auxílio dos eleitores
Junto com a campanha eleitoral deste ano, desde o último dia 16 de agosto, Igor Pereira Pinheiro também lançou um curso online de combate à corrupção eleitoral. Até o dia 2 de outubro, adianta ele, serão 44 vídeos, um por dia, com um objetivo principal: capacitar o cidadão comum para o auxílio no combate à corrupção. O público-alvo, portanto, é formado, segundo o promotor de Justiça, por eleitores e políticos "que queiram fazer campanha limpa".
Para ele, apesar da vontade coletiva de por fim à corrupção, a falta de conhecimento técnico ainda distancia o tema da população. A ideia, então, é levar informações às pessoas porque, segundo ele, "a pedra fundamental de mudança para o fim da corrupção é a participação popular". "Não adianta eu, como promotor, prender 100, 200, 300, a Lava-Jato prender 500, se o povo não mudar. Vão apenas mudar os atores, quem vai ser preso, processado, porque a prática é a mesma", acredita.

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