sábado, 30 de setembro de 2017

Juazeiro do Norte pode ter mais de mil terreiros ativos


Um número expressivo de juazeirenses frequenta os terreiros da Cidade ( Fotos: Antonio Rodrigues )




Nos últimos anos, as religiões de matriz-africana têm realizado uma série de atividades em combate à intolerância religiosa no Cariri e têm realizado atividades de ativismo social
Juazeiro do Norte. A região do Cariri, sobretudo este Município, é intensamente marcada pela religiosidade popular. Todo ano, milhares de romeiros visitam Juazeiro do Norte em fé e devoção pelo Padre Cícero Romão Batista. No entanto, a "terra de oração e trabalho" esconde, graças ao grande número de cristãos, os praticantes das religiões de matriz africana: Umbanda e Candomblé. E não sou poucos.
Estima-se que, em Juazeiro do Norte, mais de mil terreiros de Umbanda estão ativos. O número não é preciso, pois muitos ficam na casa dos pais e mães de santo, que não manifestam publicamente. Mas, no livro "Registro da Umbanda", do historiador Renato Henrique Guimarães, apenas oito terreiros estão registrados no Município.
Já o Candomblé começou a ser praticado há cerca de 35 anos em Juazeiro do Norte, mas muito deles já estão registrados oficialmente. Hoje, 38 estão ativos na cidade, a maioria, nos bairros periféricos. Mas esse número também pode ser ainda maior.
Ativismo
Nos últimos anos, as religiões de matriz-africana têm realizado uma série de atividades em combate à intolerância religiosa no Cariri e têm realizado atividades de ativismo social.
O calendário de atividades começa no dia 21 de janeiro, quando umbandistas e candomblecistas convidam fiéis de várias religiões a percorrerem as principais ruas da cidade pela liberdade de crença. Além disso, realizam, no primeiro semestre de 2018, o Congresso de Tradições de Matrizes Afro-Indígenas.
Um deles é Samuel Esmeraldo, Tata Mutaruesi, 30, um dos mais jovens pais de santos da região do Cariri. Ele está à frente do Terreiro de Candomblé de Nação Angola Nzo Ngana Nzazi, que fica no bairro do Limoeiro.
Professor de Física na rede municipal de ensino, Pai Samuel é filho de mãe de santo e resolveu tomar atitude contra a intolerância. Atualmente, realiza seminários, rodas de conversa, feira de cultura afro e outras atividades para expandir o conhecimento sobre as religiões de matriz africana.
"Conheci o candomblé como um filho de santo de minha mãe, que, na época, pertencia à Umbanda", explica Pai Samuel. Para ser sacerdote tanto na Umbanda como no Candomblé são necessários, pelo menos, sete anos frequentando o terreiro, aprendendo e recebendo os ritos que fazem a evolução espiritual. "É normal e bem visto quando um católico vai ao trabalho vestido de branco no mês de maio, em louvor a Nossa Senhora, mas, quando um candomblecista vai de branco nas sextas-feiras com seus fios de contas é mal visto pelos colegas. Isto quando o patrão não faz proibições", diz.
O próprio terreiro de Pai Samuel já sofreu duas vezes com casos de intolerância religiosa. O primeiro, há dois anos, aconteceu justamente no mês da Consciência Negra, quando dois alunos de uma escola particular saíram do evento e arremessaram duas pedras quebrando um objeto sagrado. Em outro momento, seus antigos vizinhos colocavam músicas gospel em alto volume durante os cultos.
Discrição
Muitos terreiros em Juazeiro do Norte não se exibem em sua fachada com medo de sofrer intolerância. Pai Samuel acredita que é uma forma de defesa dos sacerdotes mais antigos não serem atacados. No entanto, acredita que as visitas de estudantes e o contato com as universidades têm mudado a perspectiva das pessoas sobre as religiões. "A forma como eles entram, permanecem e saem do terreiro é de destacar. Eles entram com muito medo, assustados. O sair é bem diferente. Parece que eles vêm quebrar correntes" diz.
Encantamento
Um destes casos é o do professor Darlan Andrade, que frequenta a casa Ilê Axé Oxum Tunji, em Juazeiro do Norte. Ele conheceu o Candomblé em 2013, em uma visita acadêmica, e acabou se apaixonando.
"Eu me vislumbrei pela religiosidade, pelos dogmas. Mas o que atraiu foi o acolhimento das pessoas. Encontrei um ambiente que abraçava várias causas, não segregava, não excluía as pessoas e pregavam um sentimento maior chamado amor", conta.
Já o estudante Fábio Lucas, 15, conheceu o Candomblé a partir de sua mãe. Ela apresentou o terreiro em uma das festas públicas. "Eu me encantei pelas danças das divindades. Foi muito interessante. Então, perguntei à minha mãe se podia ficar e ela deixou", lembra Fábio.
Os terreiros de Umbanda e Candomblé realizam mensalmente festas abertas ao público de todas as religiões. Mas os filhos, normalmente, ingressam na crença a partir de consultas por problemas amorosos, na vida profissional ou manifestação mediúnica. Muitos acabam gostando da cultura, das danças e do culto.
"O candomblé não é uma religião que você escolhe, mas você é escolhido. A gente não tem essa visão de buscar converter as pessoas, essa preocupação com número de filhos e fiéis. Estamos para ajudá-las. Muitos frequentam o terreiro, mas não são do Candomblé. São católicos, evangélicos, ateus, que gostam da cultura. Tem pessoas que estão frequentando há 10 anos, mas não foram iniciadas", acrescenta o Pai Samuel.
Descoberta
A mãe de santo Maria do Socorro Esmeraldo teve seu primeiro contato com a crença a partir de um caboclo que incorporou aos 13 anos de idade. Quando sua família a encontrou desmaiada, a vizinha percebeu que não era um problema "material", mas espiritual. Hoje, aos 61 anos, ela é sacerdotisa da Umbanda.
Natural de Crato, Mãe Socorro chegou a atender, por 20 anos, pessoas com problemas espirituais nos bairros da Vila Alta e Seminário, no Crato. Trabalhando, inclusive, na Expocrato, porque não cabia mais gente em sua casa. "Na época, recebi caboclo, Exu, Erê, mas eu não entendia nada, não sabia conversar sobre aquilo", lembra a sacerdotisa. Até que uma entidade disse para ela ir embora para a "cidade do homem de batina": Juazeiro do Norte.
"As pessoas tinham medo. Se eu sentasse perto de alguém, elas saiam de perto de mim. Naquele tempo, eu não vestia saias, era calça cumprida e bata branca. Eu ia para todo canto de branco e o povo pensava que eu era enfermeira. Eu não era nem besta", brinca Mãe Socorro, lembrando como evitava o preconceito na época.
Na parede da casa de Mãe Socorro há dois quadros, com Jesus e Maria. Todo ano, no dia 31 de dezembro, ela realiza a renovação do Coração de Jesus, um rito popular do catolicismo em Juazeiro do Norte, criado pelo patriarca da cidade, Padre Cícero: "Quem é da Umbanda é católico. Coloco o santo na parede só para enfeitar a sala. É como um retrato da gente. Mas o valor mesmo está lá em cima, que é Deus, né"?
A estátua de gesso do Padre Cícero no canto da sala não é à toa. Apesar de ser sacerdotisa de outra religião, ela tem muita devoção e admiração pelo santo popular. "O Padre Cícero é milagroso. Foi um grande médium e um grande cientista. Muito sábio ele", ressalta Mãe Socorro.
Fique por dentro

Diferencie Candomblé de Umbanda

O Candomblé é uma religião trazida da África para o Brasil por negros escravizados no período colonial. Nesse período, a Igreja Católica proibia os rituais, mas os escravos de diversas tribos e nações africanas continuaram cultuando seus orixás, suas divindades, omitindo-se em santos católicos. As diversas tribos se estabeleceram em vários lugares do Brasil e deram origem às Nações do Candomblé; no Brasil, a mais popular é a Ketu. A religião cultua a natureza por reconhecer nela energias que sustentam a vida na Terra. Por isso, crê em divindades como o fogo, água, ventos, terra, folhas.
Enquanto a Umbanda é uma religião brasileira, fundada em 1917, em Niterói (RJ), que sincretiza elementos das religiões africanas, cristãs e indígenas, acreditando que os orixás se manifestam por meio de mediunidade. A Umbanda junta elementos como o culto aos orixás e aos antepassados, elementos da natureza, aos seus santos católicos que foram sincretizados e também do Espiritismo, como reencarnação e progresso espiritual. No dia 15 de novembro é comemorado o Dia da Umbanda.

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