sábado, 22 de setembro de 2018

Incoerências em chapas geram questionamentos no Ceará


Resultados de equações resolvidas a portas fechadas, algumas coligações proporcionais têm despertado, ao longo da campanha, questionamentos de eleitores e até mesmo de candidatos em relação a eventuais incoerências programáticas. Isso porque, uma vez firmadas para facilitar o caminho para a eleição de uma quantidade esperada de nomes de cada partido para a Câmara dos Deputados ou para a Assembleia Legislativa, os critérios matemáticos falam mais alto do que afinidades ideológicas.

No Ceará, partidos como o PT e o PCdoB, por exemplo, uniram-se a legendas como o PR e o PP para eleger bancadas para a Câmara. Já em outra coligação, candidatos progressistas do PPS dividem espaço com o conservador PRTB. Os exemplos se multiplicam em outras cores partidárias e não são novidade desta eleição, mas, para driblar críticas, alguns postulantes, ao reconhecerem tais contradições, tentam convencer o eleitor com argumentos que justifiquem um voto individualizado.

Em redes sociais como o Facebook, têm sido frequentes manifestações em relação ao fato de que, ao votar em um candidato de determinado partido, o eleitor pode, indiretamente, ajudar a eleger candidatura de outra sigla, ideológica e programaticamente distinta da que pretende apoiar nas urnas. Opositores também questionam arranjos.

Isso ocorre porque, na disputa proporcional, o preenchimento de vagas na Assembleia e na Câmara - no caso deste pleito - é feito segundo o cálculo dos quocientes eleitoral, partidário e conforme a distribuição das sobras (veja quadro). Na prática, a união de siglas permite que um candidato tenha êxito com menos votos, já que arranjos podem facilitar o alcance do quociente.

Reeleição
Membro da coligação fechada por PT, PCdoB, PP, PV, PR e PMN para a Câmara, o deputado federal José Airton Cirilo (PT) argumenta que a junção dos partidos "não foi o que gostaria", já que reúne legendas "que não compactuam com a nossa linha política". Além dele e de outros petistas, tenta reeleição na chapa, por exemplo, Gorete Pereira, do PR, sigla que votou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e apoiou propostas enviadas pelo Governo Temer (MDB) ao Congresso.

José Airton afirma que, caso seja questionado por eleitores sobre isso, será honesto e explicará que "foi o possível". "Na minha leitura, é uma postura de incoerência, de inconsistência", considera. Nas ruas, porém, ele tem optado por fazer campanha com outros candidatos do PT, ao cargo de deputado estadual, em "dobradinhas" no Estado.

Os dilemas também estão presentes nas campanhas de novatos. No PPS, o candidato a deputado federal Ítalo Alves, que disputa vaga na Câmara pela primeira vez, tem respondido, nas redes sociais, a questionamentos de eleitores sobre a união do PPS com PRTB e Patriotas. Na coligação, ele, que defende uma candidatura coletiva, progressista e LGBT, está, por exemplo, com a vereadora Priscila Costa, também candidata, que prega bandeiras conservadoras.

Ítalo diz que faz uma "grande crítica" ao sistema proporcional, mas também sustenta que é preciso "desconstruir o sistema por dentro". "O nosso sistema proporcional obriga os partidos a se coligarem para poder atingir o quociente eleitoral e eleger seus deputados", afirma. Para "defender a integridade da campanha", porém, ele argumenta que é preciso ocupar espaços de poder, inclusive nos partidos, para transformá-los. "É uma faca de dois gumes. As pessoas de outros partidos também poderão contribuir para que eu me eleja".

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Preocupação
Para o cientista político Uribam Xavier, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), a dinâmica de agrupamentos partidários revela, em muitos casos, uma disputa do "poder pelo poder", em que a preocupação de eleger "a maior bancada" se sobrepõe à afinidade de propostas. Isso porque, segundo ele, postulantes de um partido "ajudam candidatos de outros partidos a se elegerem, com aquele que tem mais estrutura, que tem mais recurso para investir, aquele que tem mais cabo eleitoral, que distribui algum benefício mesmo à revelia da lei".

Na contramão disso, lembra ele, a cada eleição há candidatos que, mesmo entre os mais votados, não são eleitos, por conta do não alcance do quociente eleitoral. Para Uribam, contudo, ainda que o Brasil esteja "longe" de ter uma ação cidadã com reflexos em um eleitorado comprometido com a política, uma parcela dos eleitores tem ficado mais "exigente". Uma mudança do cenário, porém, requer, conforme avalia, "uma reforma política profunda", não apenas eleitoral, mas dos três poderes.

Para o cientista político, ainda que as coligações proporcionais sejam proibidas já no pleito de 2020, neste ano, as regras vigentes ainda dificultam uma renovação do Legislativo. "Nós vamos ter uma eleição dentro de um sistema que foi montado para dificultar a eleição de novas pessoas que não têm mandato", projeta Uribam Xavier.   Diário do Nordeste

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