Resultados
de equações resolvidas a portas fechadas, algumas coligações proporcionais têm
despertado, ao longo da campanha, questionamentos de eleitores e até mesmo de
candidatos em relação a eventuais incoerências programáticas. Isso porque, uma
vez firmadas para facilitar o caminho para a eleição de uma quantidade esperada
de nomes de cada partido para a Câmara dos Deputados ou para a Assembleia
Legislativa, os critérios matemáticos falam mais alto do que afinidades
ideológicas.
No
Ceará, partidos como o PT e o PCdoB, por exemplo, uniram-se a legendas como o
PR e o PP para eleger bancadas para a Câmara. Já em outra coligação, candidatos
progressistas do PPS dividem espaço com o conservador PRTB. Os exemplos se
multiplicam em outras cores partidárias e não são novidade desta eleição, mas,
para driblar críticas, alguns postulantes, ao reconhecerem tais contradições,
tentam convencer o eleitor com argumentos que justifiquem um voto
individualizado.
Em
redes sociais como o Facebook, têm sido frequentes manifestações em relação ao
fato de que, ao votar em um candidato de determinado partido, o eleitor pode,
indiretamente, ajudar a eleger candidatura de outra sigla, ideológica e
programaticamente distinta da que pretende apoiar nas urnas. Opositores também
questionam arranjos.
Isso
ocorre porque, na disputa proporcional, o preenchimento de vagas na Assembleia
e na Câmara - no caso deste pleito - é feito segundo o cálculo dos quocientes
eleitoral, partidário e conforme a distribuição das sobras (veja quadro). Na
prática, a união de siglas permite que um candidato tenha êxito com menos
votos, já que arranjos podem facilitar o alcance do quociente.
Reeleição
Membro
da coligação fechada por PT, PCdoB, PP, PV, PR e PMN para a Câmara, o deputado
federal José Airton Cirilo (PT) argumenta que a junção dos partidos "não
foi o que gostaria", já que reúne legendas "que não compactuam com a
nossa linha política". Além dele e de outros petistas, tenta reeleição na
chapa, por exemplo, Gorete Pereira, do PR, sigla que votou pelo impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e apoiou propostas enviadas pelo Governo
Temer (MDB) ao Congresso.
José
Airton afirma que, caso seja questionado por eleitores sobre isso, será honesto
e explicará que "foi o possível". "Na minha leitura, é uma
postura de incoerência, de inconsistência", considera. Nas ruas, porém,
ele tem optado por fazer campanha com outros candidatos do PT, ao cargo de
deputado estadual, em "dobradinhas" no Estado.
Os
dilemas também estão presentes nas campanhas de novatos. No PPS, o candidato a
deputado federal Ítalo Alves, que disputa vaga na Câmara pela primeira vez, tem
respondido, nas redes sociais, a questionamentos de eleitores sobre a união do
PPS com PRTB e Patriotas. Na coligação, ele, que defende uma candidatura
coletiva, progressista e LGBT, está, por exemplo, com a vereadora Priscila
Costa, também candidata, que prega bandeiras conservadoras.
Ítalo
diz que faz uma "grande crítica" ao sistema proporcional, mas também
sustenta que é preciso "desconstruir o sistema por dentro". "O
nosso sistema proporcional obriga os partidos a se coligarem para poder atingir
o quociente eleitoral e eleger seus deputados", afirma. Para
"defender a integridade da campanha", porém, ele argumenta que é
preciso ocupar espaços de poder, inclusive nos partidos, para transformá-los. "É
uma faca de dois gumes. As pessoas de outros partidos também poderão contribuir
para que eu me eleja".
.
Preocupação
Para
o cientista político Uribam Xavier, professor da Universidade Federal do Ceará
(UFC), a dinâmica de agrupamentos partidários revela, em muitos casos, uma disputa
do "poder pelo poder", em que a preocupação de eleger "a maior
bancada" se sobrepõe à afinidade de propostas. Isso porque, segundo ele,
postulantes de um partido "ajudam candidatos de outros partidos a se
elegerem, com aquele que tem mais estrutura, que tem mais recurso para
investir, aquele que tem mais cabo eleitoral, que distribui algum benefício
mesmo à revelia da lei".
Na
contramão disso, lembra ele, a cada eleição há candidatos que, mesmo entre os
mais votados, não são eleitos, por conta do não alcance do quociente eleitoral.
Para Uribam, contudo, ainda que o Brasil esteja "longe" de ter uma
ação cidadã com reflexos em um eleitorado comprometido com a política, uma
parcela dos eleitores tem ficado mais "exigente". Uma mudança do
cenário, porém, requer, conforme avalia, "uma reforma política
profunda", não apenas eleitoral, mas dos três poderes.
Para
o cientista político, ainda que as coligações proporcionais sejam proibidas já
no pleito de 2020, neste ano, as regras vigentes ainda dificultam uma renovação
do Legislativo. "Nós vamos ter uma eleição dentro de um sistema que foi
montado para dificultar a eleição de novas pessoas que não têm mandato",
projeta Uribam Xavier. Diário do
Nordeste
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