domingo, 24 de março de 2024

180 anos de Padre Cícero: patriarca de Juazeiro se perpetua em símbolos

FOTO: Antônio Rodrigues


Dona Quinô e o comerciante Joaquim certamente não imaginavam que o filho que trariam ao mundo, há exatos 180 anos, transformaria um pequeno vilarejo em uma das mais importantes cidades cearenses, com mais de 286 mil habitantes. O cratense Cícero Romão Batista, o Padre Cícero, foi figura central da religiosidade popular brasileira no final do século XIX e início do século XX, tornando Juazeiro do Norte a “capital da fé” para milhares de romeiros. Mas por trás deste protagonismo, houve historicamente uma construção simbólica de um ícone que se materializou em monumentos e, mais recentemente, se expande em várias partes do Nordeste.


De um sacerdote que administrava um pequeno templo numa vila do Crato à figura histórica reconhecida em todo o país, o episódio do “Milagre de Joaseiro” foi fundamental. Em 1889, a hóstia consagrada pelo “padrinho” na antiga Capela de Nossa Senhora das Dores teria se transformado em sangue na boca da Beata Maria de Araújo. O fenômeno se repetiria outras vezes, dando início por surgir as primeiras romarias, principal motor do crescimento que elevaria Juazeiro do Norte à principal cidade da região do Cariri. Dali em diante, o nome “Padre Cícero” não deixaria de ocupar empreendimentos comerciais, escolas, ruas e os altares das casas.


Símbolos do sacerdote

Ainda em vida, o Padre Cícero viu sua imagem presente em medalhinhas e em pequenas esculturas de madeira, vendidas abertamente em feiras. Porém, representando um grande “marco cívico” na recém-emancipada Juazeiro do Norte, a primeira grande estátua do sacerdote, feita em bronze, foi erguida no centro da praça Almirante Alexandrino – atual Praça Padre Cícero — em 1925.


A obra foi encomendada pelo médico Floro Bartolomeu, homem de confiança do sacerdote, a Laurindo Ramos, escultor do Rio de Janeiro. A sua ideia era destruir os discursos de cidade atrasada e fanática, querendo transmitir a imagem de cidade de progresso, como lembra a historiadora e pesquisadora Amanda Teixeira. Porém, por ser uma escultura que representa a imagem do Padre Cícero como um “estadista”, o homem político, coberto com uma toga romana, a escultura nunca chegou a ser cultuada.


O efeito é totalmente diferente da estátua feita após sua morte pelo escultor italiano Agostinho Balmes Odísio, em período estimado entre 1934 e 1940, que permanece erguida no largo da Capela do Socorro. Ao desembarcar na cidade, o artista não imaginava que o público-alvo do seu trabalho seriam pessoas muito pobres. “Eram devotos, romeiros, que não tinham direito para comprar seu trabalho”, conta Amanda.


O italiano decidiu, então, além de trabalhar com instituições e igrejas, oferecer pequenas esculturas de gesso, que caíram no gosto da população. “Muitos chegavam na sua oficina e se ajoelhavam diante das estátuas que ele fazia: ‘Como pode um homem que nunca viu o Padre Cícero o fazer tão bem-feito? Só pode ser santidade’”, narra Amanda. Foi de suas mãos que saiu a estátua no Largo do Socorro em tamanho real, colorida, muito semelhante ao sacerdote que cativou os devotos, sendo o principal símbolo do “padrinho”.


A mudança veio em concreto e alcançou 27 metros. A estátua do Padre Cícero na Colina do Horto, inaugurada em 1º de novembro de 1969, até hoje é o principal cartão-postal da cidade. Contudo, para ser erguida foi necessário o clamor popular, já que pouco antes o então prefeito Mauro Sampaio derrubou o “pé de tambor” – o pé de Timbaúba – para construir uma antena de televisão.


A mudança, na época, gerou muita comoção na cidade, pois a árvore trazia muitas simbologias. Para os moradores, lá era o local de refúgio e meditação do seu santo popular. “Quando a estátua foi construída, o gestor tenta passar a ideia de uma intenção turística, mas substitui um importante símbolo local por outro”, acredita a pesquisadora.


Estátuas se espalham pelo Nordeste

Os romeiros que visitam Juazeiro do Norte são, principalmente, dos estados de Pernambuco e Alagoas. É comum nas suas cidades existirem núcleos de forte fé no Padre Cícero, que organizam anualmente às caravanas até o Ceará. Porém, nos últimos meses, esta devoção tem se materializado em grandes esculturas, erguidas em municípios do interior.


A mais recente ocorreu na última quarta-feira (20), em São José de Laje, Alagoas, onde a Prefeitura inaugurou um monumento de 15 metros do “padrinho”, que divide a atenção com outra estátua, a de São José, padroeiro da cidade. A prefeita do município, Angela Vanessa Rocha, explicou que as duas esculturas vão potencializar o turismo religioso local. “Aqui vai celebrar a fé e devoção da nossa gente, não só os romeiros e toda comunidade católica de nossa cidade está sendo presenteada, mas todo o estado de Alagoas”, comentou.


Antes disso, em setembro do ano passado, foi a vez da cidade de Santa Luzia do Norte, na região metropolitana de Maceió, inaugurar uma estátua de Padre Cícero, cuja altura aproximada é de 12 metros, contando com sua base. Curiosamente, a escultura superou a altura de outro monumento do santo popular que havia sido entregue pelo município de Porto Real do Colégio, também em Alagoas, que chega ao tamanho estimado de 10 metros.


Celebração

Em comemoração aos 180 anos de nascimento do Padre Cícero, a Prefeitura de Juazeiro do Norte está realizando a 42ª Semana Padre Cícero, que começou no último dia 20 e se encerra neste domingo (24), data de seu aniversário. A programação conta com atividades educativas nas escolas, mesas redondas, exposição e shows musicais. Uma das atrações será o padre Fábio de Melo, que sobe ao palco na noite de encerramento, assim como o cantor e compositor Luiz Fidélis. Antes disso, na noite deste sábado (23), acontece a seresta no largo da Capela do Socorro, que antecede o tradicional corte de bolo, à meia-noite.


Na programação, ainda foi aberta, na última quarta-feira (20), a exposição “A Vida de Padre Cícero”, do xilogravurista José Lourenço. Os trabalhos podem ser conferidos até o próximo dia 28, na Escola dos Saberes. Nela, há 16 xilogravuras originais, doadas à biblioteca da Fundação Memorial Padre Cícero. “A Semana é um momento importante não só para Juazeiro do Norte, mas para o Nordeste. A expectativa é de muitas pessoas e estamos preparando um aparato de segurança para dar tranquilidade”, antecipou o secretário de Cultura do Município, Vandinho Pereira.


Fonte: Opinião CE

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